"CRER EM DEUS NÃO É PENSAR DEUS, MAS SENTIR DEUS"

Santo Agostinho em sua obra "Confissões "disse certa vez: "Deus est superior summo meo et interior intimo meo", ou seja, Deus é o que há de maior e mais íntimo em nós. Portanto, a experiência com Deus passa necessariamente pelo que há de mais profundo em nosso ser, pelo cerne de nossa existência. Teilhard de Chardin, grande místico e cientista moderno, chamava de "o meio divino", "le milieu divin": "Nós estamos dentro de Deus. Nunca saímos de Deus, nem vamos para Deus, porque estamos dentro de Deus. A tarefa da fé é descobrir esse Deus que está presente em todas as coisas, mas oculto sob mil sinais. O universo é um grande sacramento. A matéria é sagrada. A natureza é espiritual. Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana."(...)

O nosso desafio de todos os dias consiste em descobrir como fazer a passagem da cabeça, onde está a doutrina sobre Deus, para o coração, onde se encontra a realidade viva de Deus. Blaise Pascal, filósofo francês do século XVII, disse certa vez: "Crer em Deus não é pensar Deus. Crer em Deus é sentir Deus". E quem sente Deus é o coração. São João em sua primeira carta disse isso de forma extremamente feliz: "Aquele que nós tocamos, que nossos olhos viram, que nossos ouvidos ouviram, esse nós vos comunicamos". É uma experiência concreta: tocar, sentir, ver.

Essa fé deve ser vigorosa para poder ver Deus em todas as coisas, mesmo nas mais contraditórias. Será, por exemplo, que conseguimos enxergar os desígnios e a presença de Deus nas grandes tragédias que aconteceram recentemente como a que se abateu sobre o Rio de Janeiro? Para quem experimenta Deus em tudo, até essa realidade de extremo sofrimento não se encontra fora de Deus, por mais escndaloso que isso possa parecer.

Talvez não saibamos dar as razões da presença divina dentro dessa terrível ausência, por mais que tentemos elucidar essa mistério. Seguramente, ao final, devemos concluir como Santo Tomás de Aquino em seu Tratado sobre o Mal: "Não entendemos o mal, mas cremos que Deus é tão poderoso que pode tirar do mal um bem, porque, se assim não fora, Deus não seria todo-poderoso."

A nossa espiritualidade cristã católica precisa ser o resultado de um "enamoramento" com Deus. Quando nos enamoramos de uma pessoa, tudo dela se torna interessante: onde nasceu, como é sua família, quem são seus amigos, onde estudou, de que gosta. Cada detalhe se torna importante e se torna sacramental. Porque é nesse encontro que crescemos, nos extasiamos e fazemos a experiência da nossa mais radical abertura ao outro, a ponto de querer sacrificar tudo para estar com ele, unir nosso destino a ele e, no termo, fundir-se a ele.

Depois desse primeiro ohar, desse encantamento, temos que dar o próximo passo: perceber Deus em cada irmão/ã ao nosso redor, principalmente naqueles que mais sofrem em nossa sociedade. Nos pobres e excluídos, a dignidade humana e a presença de Deus estão profanadas. São Boaventura, frade franciscano, disse certa vez: "O ser humano é um sinal da perfeição invisível de Deus, em parte porque Deus é a causa, o modelo e o seu termo, e cada efeito é sinal da causa, o modelado é sinal do modelo e a via é sinal do termo ao qual conduz." É precisamente na convivência fraterna e na empatia com o próximo que fazemos a mais importante experiência cristológica.

Não deixemos que se apague em nós a chama da espiritualidade. Há dentro de nós uma dimensão espiritual que se revela pela capacidade de diálogo com nós mesmos e com Deus. O consumismo, a busca desenfreada por bens materiais, uma vida distráida das coisas essenciais obscurecem o nosso olhar e a nossa percepção de Deus. É preciso acender essa chama interior que produz luz e calor o nos dá mil razões para vivermos como humanos. Assim, caminharemos serenos neste mundo, com outros e na mesma direção que aponta para a Fonte de abundância permanente de vida e de eternidade.

CÉSAR AUGUSTO ROCHA